*Por Diego Loiola
Como pensar na União Nacional dos Estudantes sem associar sua trajetória de lutas que se confunde a um legado histórico deixado a várias gerações? Como imaginar a União Nacional dos Estudantes dissociada ao papel que os movimentos sociais cumprem no Brasil? A UNE em seus 75 anos de existência foi responsável por protagonizar e levantar bandeiras de lutas que colocaram a juventude brasileira na dianteira das disputas sociais vividas ao longo das últimas décadas. A UNE foi uma das primeiras entidades a defender um projeto de sociedade com a cara do Brasil, onde estão contempladas a soberania, a reforma agrária e o desenvolvimento sustentável. Hoje, a UNE se depara com um novo desafio colocado para os movimentos sociais e a sociedade como um todo, a reforma do código florestal.
O código florestal brasileiro garante a conservação das florestas para que estas possam nos oferecer serviços ambientais, como a produção de água, regulação dos ciclos de chuva, controle de assoreamento de rios, proteção da biodiversidade, controle de pragas, equilíbrio climático, entre outros. A necessidade de novas mudanças neste código implica diretamente nos interesses do setor latifundiário.
Sob a alegação da falta de áreas agricultáveis, falta de base científica e a impraticabilidade do atual código, o setor latifundiário vem se organizando para incidir na expansão da agropecuária que hoje já ocupa 61 milhões de hectares de áreas de florestas com elevada e média aptidão para a agricultura. Além disso, setores desenvolvimentistas deslocam o debate em torno da reforma do código florestal para o desenvolvimento da agricultura familiar, que seria uma das mais prejudicadas com a manutenção do atual código. Com isso, a bancada ruralista do congresso nacional e outros setores que possui aproximação com o agronegócio propõem para esta reforma a anistia a crimes ambientais, a redução e descaracterização das áreas de preservação permanente, a isenção e redução de reservas legais e a moratória de desmatamento, o que deflagra o total desmonte da política ambiental brasileira.
A Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC) defendem que a as propostas de reforma do código florestal foram feitas sem ampla base científica e baseadas muito mais em interesses unilaterais de alguns segmentos econômicos do que no interesse coletivo.
O censo agrário de 2006 mostrou que áreas da agricultura familiar e camponesa tem maior capacidade de cobertura florestal e preservação dos recursos naturais. Para isso, não há necessidade de mudar o código florestal. A simples efetivação de decretos reguladores para agricultura familiar bastaria para o cumprimento viável do código com grande proveito econômico em áreas preservadas. As vastas áreas de cultivo associadas a tecnologias de manejo agrícola sustentável e melhor aproveitamento das culturas já aplicadas também dão a garantia da segurança e aumento de produção sem a necessidade de afrouxar a proteção ambiental.
A reforma do código florestal coloca um debate que está para além dos interesses individuais. Este debate é de grande relevância coletiva. Propor uma reforma que afrouxa e fragiliza a preservação dos recursos naturais em pleno processo de mudanças climáticas, efeito estufa e outros fenômenos, responsabiliza a sociedade civil e governos a definirem de uma vez por todas a que modelo de desenvolvimento devemos seguir. A pauta do código florestal está implicada na prolongabilidade da espécie humana com o estímulo de novas ilegalidades, ameaça ao bem-estar e segurança dos povos tradicionais, a falta de proteção a mais de 50 milhões de hectares de floresta, o aumento exponencial do desmatamento, desequilíbrio climático, enfim.
Os movimentos sociais vêm cumprindo um papel de vanguarda junto ao enfrentamento aos interesses do agronegócio e a rejeição da reforma do código florestal. Pensar em um posicionamento de vanguarda que casa o movimento social a defesa de uma agenda para a esquerda brasileira, coloca para a UNE um grande desafio. Será que a UNE em seus 75 anos de história e de luta, pela primeira vez irá se abster de um posicionamento? Será que a UNE pela primeira vez na história irá estar em lado oposto a CUT, MST, Via Campesina, FETRAF, MAB, CPT, Marcha Mundial das Mulheres e outros movimentos e entidades que se opõem a esta reforma?
A imparcialidade da UNE ou posicionamento favorável frente à reforma do código florestal podem sinalizar para o movimento estudantil brasileiro um extremo desgaste na base. As federações e executivas de cursos bem como outras entidades estudantis vêm criando espaços de disputa com a UNE dentro das Universidades na perspectiva de deslegitimá-la. Como a UNE evitará tremendo desgaste junto a uma base que está convencida a rejeição do código florestal? E como nós da Kizomba nos apresentamos dentro desta perspectiva, dirigindo uma diretoria de Meio Ambiente da UNE?
É de suma importância para nós que somos de uma tradição ecossocialista dialogar com o conjunto das forças políticas da UNE na perspectiva de que a entidade se posicione sim, e se posicione contra esta reforma. É central que consigamos formular posicionamentos e enfrentar os setores do agronegócio brasileiro, esta é uma agenda colocada para esquerda brasileira. Construir um arco de alianças na UNE, onde parte dele se exime da discussão do código, nos propicia um desafio maior. É a Kizomba quem nos últimos anos mais vem incidindo na proposição de políticas que vem transformando a realidade desta entidade. O debate de gênero, por exemplo, vem sendo disseminado na UNE através de uma postura vanguardista e de disputa que nós apresentamos ao longo de nossa organização na entidade. E é essa postura de vanguarda somada a perspectiva de um debate de desenvolvimento que poderá nos fortalecer cada vez mais na base do movimento estudantil em unidade aos movimentos sociais.
Considerar a reforma do código florestal como central para a disputa dos rumos da sociedade passa pelo nosso grau de disputa do tema dentro da UNE. O código florestal nunca foi tão importante, atual e necessário. Este código é de suma relevância para o cumprimento e comprometimento das metas brasileiras de redução de emissões de gases assumidas na COP15 pelo então presidente Lula. Os movimentos sociais, a Kizomba e a UNE precisam ter uma postura mais radical de enfrentamento aos latifundiários. Baixar a guarda neste momento pode nos custar um preço muito caro nas relações que construímos com os movimentos, com estudantes e com nossa identidade histórica.
* Diego Loiola é Diretor de Meio Ambiente da UNE, Coordenador Geral do DCE JML do IFCE, Militante da JDS/Kizomba, Militante do Coletivo de Juventude pelo Meio Ambiente do Ceará
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