Dessa maneira, o Judiciário, único poder não eleito da República, coloca-se acima dos demais poderes, ambos eleitos pelo povo, como se as leis e a política fossem coisa exclusiva de especialistas, como queria Platão em sua República oligárquica, e não do cidadão comum.
Lembremos que a desqualificação da atividade política é o principal mote do discurso reacionário que os militares e sequazes usaram para justificar o golpe de 1964 e a ditadura.
Aqui, trechos de um texto publicado no blog do Rodrigo Vianna, A quem interessa enfraquecer o Congresso?, do professor da UFMG e doutor em Direito Luiz Moreira.
[...]
Tão problemático quanto substituir as leis pela interpretação judicial é a tentativa de afastar dos Legislativos o homem comum, imprimindo a falsa impressão de que o político deveria ser substituído pela jurista. O que garante a pluralidade dos Parlamentos é a legitimidade das visões de seus membros que, por isso, representam os diversos segmentos que compõem a sociedade.
Neste cenário é que se insere o pós-constitucionalismo no Brasil, com seu pleito por supremacia judicial, consubstanciada nas seguintes teses:
(1) que a Constituição é um documento jurídico e, portanto, não político;
(2) se a Constituição é jurídica apenas, sua guarda cabe exclusivamente ao sistema de justiça em geral e ao STF, em particular;
(3) na primazia das sentenças sobre as leis, de modo que o controle de constitucionalidade é transformado de “método de compatibilidade sistêmica” em expressão de tutela do Judiciário sobre os Poderes Políticos;
(4) como a manifestação judiciária seria mais importante que a manifestação legislativa, o Juiz é o soberano para decidir ainda que contrariamente à lei, pois, como defendia o teórico nazista Carl Schmitt, “soberano é quem decide no estado de exceção”; e, finalmente,
(5) na criação de um artifício teórico para que o STF possa negar vigência ao próprio texto da Constituição. Para tanto, foi introduzido no Brasil um simulacro hermenêutico, com o qual normas constitucionais sofreriam mudanças em seu sentido, de tal modo a acarretar a revogação desse dispositivo constitucional, mas sem manifestação do Congresso Nacional. Esse simulacro é designado como mutação constitucional e ele é invocado para legitimar interpretações que não encontram respaldo no texto constitucional e tem como propósito desligar os Ministros do STF tanto de quaisquer limites interpretativos quanto de quaisquer parâmetros normativos. Em síntese, pretendem designar uma evolução no modo de interpretar um vocábulo para contornar uma obrigação constitucional e com isso estabelecer um governo dos juízes.
Parece não ser por acaso que a última vez que o STF decretou a cassação de um Deputado, sem o assentimento da Câmara dos Deputados, tenha ocorrido na ditadura militar. Naquela época o STF se valeu de artifício jurídico, o contido na Emenda Constitucional nº 1, justamente a outorgada pela Junta Militar em 1969, que emendou a Constituição de 1967, outorgada pelo General Castelo Branco. “Se a história se repete apenas como farsa”, será este o legado do STF?
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